quarta-feira, 22 de setembro de 2010

O caso Neymar


            Nessas últimas semanas o Brasil se espantou com o caso Neymar. Resumindo, parece que o jogador do Santos Futebol Clube não se conformou com a atitude do técnico Dorival Júnior em preteri-lo na cobrança de um pênalti. Irritado numa situação posterior ele e o técnico irromperam um caloroso bate-boca frente às câmeras e microfones de todas as emissoras de televisão e de radio do país.
            Imediatamente, na instantaneidade que é característica dos meios de comunicação modernos, em todos os jornais impressos e suas versões online é estampado o espanto e a atonicidade das pessoas frente à atitude de desrespeito público do jogador diante de seu técnico. O que chocou, pelo que parece, foi exatamente isso: a falta de submissão hierárquica profissional do jogador para com aquele que é seu “comandante”, como costuma ser chamado principalmente pela mídia radiofônica, seu “coach”, numa versão mais modernamente universal.
            Particularmente, não me espantei! Juro. Pois o que aconteceu naquele momento foi o reflexo de uma realidade que nós professores estamos vivendo há muitos anos, tanto na escola pública quanto na particular. Era uma questão de tempo para que a realidade das salas-de-aula aparecesse fora dos muros escolares. Neymar apenas manteve em campo um comportamento que é peculiar aos jovens de sua idade, e até menores, de prepotência diante de seus professores. E acredito que não vá ficar por aí.
            Há pouco tempo atrás, o Grêmio Futebol Porto Alegrense demitiu o jogador Rodrigo por apresentar indisciplina condizente com a profissão. Essa indisciplina iniciou dentro dos vestiários diante do técnico Silas e teve seu auge quando o jogador durante uma refeição jogou suco em uma nutricionista protestando que queria tomar refrigerante.
            No caso do Grêmio, os diretores do clube foram taxativos e demitiram Rodrigo, que agora está sendo contratado pelo Sport Club Internacional, de Porto Alegre. Mas será que se Rodrigo tivesse a conta-corrente e o número de contratos comerciais que o Neymar tem, a nutricionista não seria despedida por servir suco e não refrigerante como o jogador queria? Ficamos no “se”.
            Em entrevista assistida hoje pela televisão, o dirigente do Santos, Pedro Luiz Conceição anuncia a demissão do técnico Dorival como sendo justa por ter ele sido acometido de “uma crise de autoridade excessiva”. Ficou o Neymar. Neymar joga hoje contra o Corinthians!
            Não é isso que acontece em sala-de-aula? Professores são demitidos das escolas particulares ao final do ano, ou mesmo no meio do ano porque têm “crises de autoridade excessiva”, quando retiram de aula alunos inconvenientes, principalmente quando a pressão da família (os “patrocinadores”) for muito grande. Professores são demitidos ou trocados de série quando têm uma “crise de pegar pesado nas provas”, principalmente quando a família aparece em peso na sala da direção apontando as dificuldades encontradas pelo oprimido estudante que não teve tempo pra estudar em casa porque seu horário fora da escola é totalmente preenchido por aulas de inglês, de francês, escolinha esportiva e escola musical. O tempo que sobra é para se descansar, ver televisão, jogar videogame, etc. Professores são chamados à sala da direção, à sala do serviço de orientação ou à sala do serviço de supervisão por apresentarem “uma crise de informações excessivas”, lecionando matérias que levam os alunos a ter “crises de dificuldades excessivas” e tudo isso tendo o professor “crises de temas para casa excessivos”. Sem contar a pressão com que se trabalha para que as reprovações ou aprovações nunca ultrapassem determinados números mágicos.
            Com tudo isso, mimamos nossas crianças fazendo acreditar que na vida pode-se conseguir de tudo sem esforço. No caso do Neymar isso até parece verdade. Qual adolescente não queria ter ao final do mês na conta-corrente um saldo de meros cem mil reais (com certeza Neymar ganha bem mais que isso)?
            Não tardará a chegar a época em que patrões deverão pedir “por-favor” para que seus funcionários executem as tarefas para as quais foram contratados e pelas quais ganham seus salários. Em algumas escolas professores já têm que pedir licença para poder dar suas aulas, ou pelo menos ficarem ali sentados cumprindo horário, fazendo de conta que ensinam e os alunos fazendo de conta que aprendem.
            E Neymar não foi o início, apenas foi o que chamamos de gota-d’água. No próprio Santos, em maio, a outra estrela, o Ganso, se recusou ser substituído, quando foi solicitado pelo técnico Dorival Júnior. Num jargão escolar, para essa repetição de atos de indisciplina diz-se que “o técnico Dorival não tem controle de turma”, por isso ele, dentro de uma escola, seria considerado o responsável pela indisciplina de seus jogadores! Claro, mas ele também não precisa ser acometido de “uma crise de autoridade excessiva”. Pode?
            Novos tempos, velhos problemas.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

O fato

À guisa de orientação: este texto foi publicado originalmente na revista "Quadro-Negro e Giz", editada pelo Centro de Professores do Colégio Anchieta de Porto Alegre em dezembro de 1992. Originou-se de um exercício de escrita e leitura. Inicialmente ao leitor pode parecer que ele não tenha sentido algum. Sugiro uma primiera leitura sem compromisso; depois dessa leitura inicial, procure o significado da palavra "fato". Acredito que a partir do seu entendimento o texto passará ter sentido. Espero comentários.

Sempre que se aproxima a primavera, lembro-me de contar esta história ocorrida bem-não-sei-quando, em algum lugar do mundo, lá pelos lados daqueles países nas fraldas do Himalaia, um quistão qualquer.

É sobre um fato. Um fato que sempre aparece com a chegada da primavera (e por isso, decerto, minha lembrança). Este fato não tem história precisa. As novas gerações o conhecem, as antigas sempre o conheceram e, provavelmente, as futuras o conhecerão também. Naturalmente que, com o passar dos anos, o fato não é o mesmo, pois, acredito, no mínimo a cada cinquenta anos ele deve estar totalmente modificado (não entendo muito dessas coisas, de longevidade, principalmente).

Não se sabe ao certo porque ele aparece no início da primavera. Provavelmente ele desce das montanhas (que é sua origem) aproveitando o degelo, o fim do inverno, e as pastagens renovadas das planícies.

Muitos tentaram localizar, também, a origem certa do fato, mas todos falharam, pois ele se perde nas montanhas e esconde-se onde nenhum ser humano de bom senso possa penetrar.

Atualmente, pelo que me parece, as pessoas já se acostumaram com a chegada do fato e até se preparam para recebê-lo. Dizem que é uma das coisas mais bonitas essa espera. Ele chega à noite, com bastante barulho; homens, mulheres e crianças formam cordões com tochas para conduzi-lo à planície, onde a grama é viçosa. Criançada que se preze, com mais de quatro anos de idade, não dorme na noite da chegada do fato.

Contam que houve época em que tentaram prendê-lo, mas foi tudo em vão, pois a resposta à busca de liberdade foi dada com a morte da maioria, deixando no ar uma tristeza muito profunda e um sentimento de culpa que perdurou por muito tempo na memória dos habitantes do lugar.

O fato já faz parte do próprio lugar, das pessoas, da vida primaveril de seus habitantes. Ele é esperado, é recebido e, com a mesma festa que chegou, também é deixado voltar para seu lugar de origem, ao fim da primavera. E isto é também muito estranho: por que só na primavera, exatamente, ele permanece na vila? Por que não fica verão adentro?

É um fato extremamente pacífico,  a ponto de as crianças conviverem no meio dele fazendo travessuras. Nunca se soube de criança que fosse atacada, agredida. O contrário é que muito acontece, mas sempre que possível a intervenção dos pais serve para aumentar o respeito e o carinho das crianças pra com ele.

Nunca ninguém viu um macho junto. Acredita-se também que eles fiquem à espera do fato, escondidos nas montanhas. Provavelmente eles não tenham a mesma necessidade de se alimentarem porque não aleitam e, sabe-se, para um leite bem forte e gorduroso, nada melhor do que uma pastagem também sadia, que deve ser escassa na montanha.

O fato é um mistério. Um eterno mistério. E, enquanto for um mistério, ele existirá para quem quiser vê-lo. Ele vem e volta, sempre num ciclo tão regular que hoje este é o único ponto de referência de confiança para a chegada realmente da primavera. Melhor que a floração, melhor que as constelações.

quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

O Caso Sean Goldman


Nesse natal que passou fui coadjuvante de um acontecimento que jamais esperava que pudesse acompanhar da forma como consegui fazê-lo. Minha filha, que mora no Rio de Janeiro, estava para vir a Porto Alegre no dia 19 para passar o natal conosco. Conforme seus planos, trabalharia até as 14h da quinta-feira, dia 17, folgaria do tabalho a partir da sexta-feira e viria para Porto Alegre no sábado, dia 19 em voo ao final da tarde, chegando aqui à noite. Já ao final de nossa conversa via chat, perto da meia-noite do dia 16, ela recebeu um telefonema de Nova Iorque, EUA,  solicitando que trabalhasse como repórter free-lancer para ajudar a equipe da CNN a cobrir o retorno do menino Sean Goldman aos Estados Unidos. Naquele dia, seu pai, David Goldman havia ganho uma batalha que se desenrolava há quatro anos contra a família brasileira que detinha sua guarda, para levar seu filho de volta para os Estados Unidos.

Resumindo a história toda. David Goldman era casado com uma brasileira nos Estados Unidos, com quem tivera um filho, Sean. Após felizes quatro anos de casados eles se separaram e num belo dia ela pediu para visitar seus pais no Brasil e levar o menino Sean com ela. David permitiu. Porém, a mãe enamorou-se e casou (?) com um rapaz de uma abastada familia carioca, com quem teve uma filha. Após o nascimento dessa filha, ela teve uma hemorragia e veio a falecer. A familia do pai brasileiro pediu,e levou, a guarda do menino. David, então, entrou com uma ação (ou várias)  para trazer o menino de volta e só conseguiu os direitos de exercer a paternidade presente quando a justiça brasileira lhe favoreceu naquela quinta-feira.

Porém, ao chegar ao Brasil, quase que imediatamente, a justiça brasileira lhe negou novamente o direito de levar o menino, uma vez que a familia brasileira recorreu, e em tempo recorde para essas épocas conseguiu anular a decisão anterior.

A partir daí, até o dia 24 de dezembro, o que se viu foi uma batalha jurídica correndo contra o tempo para poder terminar antes do Natal, senão, quem sabe, terminaria somente após o carnaval. Os acontecimentos tomaram forma de resgate de um cidadão americano, como se vê em filmes de Hollywood. Zapeei a internet perpassando por várias empresas de notícias norte-americanas e o que para nós não passou de mais um evento midiático, para eles foi o acontecimento do ano. Todas as emissoras focavam a atenção no resgate do menino e se via que a pressão contra  justiça brasileira era enorme. Finalmente, ao apagar das luzes da antevéspera de Natal, o nosso STF julgou a sentença a favor do pai americano com caráter irrecorrível para a família brasileira. Foi uma choradeira só.

Por aquelas coincidências que nunca conseguimoes explicar, no mesmo dia o congresso americano, que já estava de recesso de Natal, voltou a se reunir em caráter de emergência para votar uma lei que favoreceria economicamente 130 países, quanto à retração de impostos de importação. E nesse dia o Brasil foi incluído na lista dos isentos. A família brasileira do menino Sean interpretou como se o menino estivesse sendo trocado como mercadoria para favorecimentos econômicos, sendo isso verbalmente exposto pela avó para toda a imprensa internacional.

Não quero entrar no mérito se o menino devria ficar ou não. Mas, como disse antes, o evento acabou se transformando num resgate de cidadão americano e muitos jornais de lá tratavam a matéria como sendo o menino "kidnapped" nas manchetes. Quem o resgatou foi o próprio pai, não sendo necessária a intervenção de Johnny Rambo ou do Bradock quebrando, explodindo e destruindo metade do Brasil para levar o menino embora. Na realidade, se teve alguma coisa quebrada, foram as pernas dos avós e do padrasto brasileiros pelo nosso bravo STF.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Primeiro Texto


Como se começa um primeiro texto? Nem sempre é fácil, principalmente quando se tem muitas idéias com temas diferentes para serem colocadas no espaço vritual da rede mundial de computadores. O pior exercício neste primeiro texto vai ser o de escolher qual dos temas será abordado, sem embolar com os outros temas. O bom é que isso aqui não é uma máquina datilográfica (a máquina-de-escrever, para muitos), pois não precisamos nos preocupar em apagar os erros, voltar o carro, subir uma linha, baixar linha, rebater por cima, entre tantas dificuldades encontradas naquela antiga facilidade. E outra, o papel não termina, pois aqui não existe papel, pois acreditamos estar escrevendo sobre uma tela pixelizada. Cada letra que aparece na tela na realidade é formada por uma sucessão de pixels (ou pixeis?) que se apagam numa ordem bem geométrica. Até certo ponto escrever na tela de um computador seria então uma atitude ecologicamente correta, pois não precisamos desmatar o ambiente para obter o papel; em compensação, precisamos que escorra muita água em alguma usina hidrelétrica, ou se queime algum combustível em alguma termoelétrica para que a energia elétrica flua pelos circuitos impressos da CPU do computador e mantenha acesos os outros pixels que fazem o fundo branco e colorido do restante da tela ligados. Não temos escapatória. Temos que optar pelo menos pior.

Mas por que escrever em um blog? Em outras épocas escrevíamos os tais diários em cadernos que na maioria das vezes eram trancados a sete-chaves e que só poderiam ser lidos através de autorização expressa do autor. Ou se esperava pela sua morte para poder violar consentidamente seus segredos e descobrir o que o morto pensava quando era vivo. Não posso deixar de mencionar que quando falo em diário, sempre me vem à cabeça o diário da Margarida, a namorada do Pato Donald ; "Querido diário . . . ", assim começava uma historieta em quadrinhos em que ela narrava alguma aventura ocorrida com o pato seu namorado (acho que só gente da minha geração entende o que falo quando menciono a Margarida . . .). Mas, voltando, o uso do blog permite um acesso imediato às nossas idéias, compartilhadas não mais apenas com nosso melhor amigo, mas com o mundo todo dos internautas que tenham interesse em ler alguma coisa de alguém. Ninguém vai precisar esperar eu bater as botas para ler o que penso, o que reflito, o que me vem à cabeça. Por outro lado, permite também uma troca, com participações, desde que sejam saudáveis.

Tentei me tuitar, mas achei muito sem graça. Onde já se viu permitir que uma pessoa utilize somente 140 caracteres para se comunicar com o mundo! Sei que tem gente que está conseguindo, e posso citar o Luiz Fernando Veríssimo, apesar de eu não o ter acessado ainda (mas, segundo minha filha, acabei de saber pelo seu comentário que o tuiter dele é lenda urbana!). As empresas de rádio-jornalismo também estão pipocando no tuiter e parece bom. Até andei comprando um livro sobre o tuiter, mas realmente não consegui me adaptar. Estou sendo seguido, assim como sigo um monte de gente, mas cadê tempo para rastreá-los? E o que se lê ali? Gente entediada com a vida, gente de mal com seu professor postando disfarçadamente seus reclames durante a aula, gente bocejando, gritos de alegria cujos motivos somente aparecem em 350 mensagens depois . . . uau! Receitas de culinária não cabem em 140 caracteres e muitos tuiters apenas utilizam seu espaço no tuiter para indicar sua página ou seu blog oficial! Pode?

Adoro o orkut! A proposta dele é muito simples e abrangente. Estão lá nossas fotos, nossos perfis (alguns bem mentirosos, até) e se quisermos falar com alguém, é só escrever uma mensagem de qualquer tamanho, sem restrição de caracteres, colocar video, animações e outras tantas coisas que nem sei usar ainda. Sem contar que no orkut encontramos gente que não vemos há anos. O orkut nos permite um congraçamento maior e mais direto. Nunca em meu aniversário tanta gente me mandou os parabéns, quanto os que tenho comemorado sob sua égide. Principalmente pelo fato que aniversario em 7 de dezembro e que no tempo de escola nessa data normalmente já estávamos de férias ficando difícil reunir os colegas. Comemorar com os colegas em aula, como fazíamos durante o ano com os anviersariantes do mês, nem pensar! Nesse aspecto, não sei quem tem a pior data de nascimento, se eu ou minha filha, que inventou de nascer em 31 de outubro, antevéspera do feriado de Finados, e que hoje se comemora o Halloween importado dos Estados Unidos (quando ela nasceu não se comemorava ainda essa festa aqui no Brasil). Acredito que todas as festinhas de aniversário dela foram comemoradas do feriado do dia 2 de novembro! Bizarrice pura!

Enfim, vamos lá! Espero construir novos textos com as contribuições que vierem dos leitores. Num jargão pedagógico contemporâneo, que este blog sirva para que dele se organize uma construção coletiva de idéias.